Hilda Breda Assumpção é atriz em São Bernardo do Campo e fundadora, juntamente com Antonino Assumpção, do Grupo Cênico Regina Pacis. |
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Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 05 de julho de 2005.
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC
Entrevistadores: Elias Estevão Goulart, Herom Vargas e Eduardo Chaves.
Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.
Pergunta: Comece falando a data e local de seu nascimento.
Resposta:
Nasci em 6 de março de 1952, em São Bernardo do Campo.
Pergunta: Fale um pouco sobre a sua família, seus pais, avós e como era o lugar onde você morava?
Resposta:
Sou oriunda de família de descendentes de italianos. Na verdade, só tenho um avô que é italiano, que veio com 4 anos para cá. Os outros já são brasileiros, nascidos todos em São Bernardo. Costumo comentar que sou São Bernardense quatrocentona e falo que meu pai e minha mãe se casaram porque só tinha eles no Bairro Assunção, só as famílias deles e mais ninguém. Só o pai do meu pai que é italiano e os demais eram de São Bernardo, mas todos também filhos de italianos. Então, a gente tinha uma descendência direta, tanto que quando era criança eu ouvia em casa só falar em italiano, mas um italiano que é um dialeto da região de Vêneto, então até hoje eu falo com a minha mãe algumas expressões em italiano. Apesar da minha mãe não falar mais porque ela tem Alzheimer, mas a gente ainda faz essas citações em italiano para ela. E dizem os historiadores que é uma língua que não se fala nem mais na Itália, porque morreu. Só quem cultiva isso são os antigos moradores, que eram das colônias de São Bernardo, porque quando os italianos vieram para cá fugindo da guerra, depois da escravidão, foram vendidos os lotes para essas famílias italianas e a família do meu pai e da minha mãe adquiriram, os pais deles, meus avós, e ficava na região da Jurubatuba, no Bairro Assunção atualmente. Eu nasci lá. Meu pai se chamava Ângelo Breda e a minha mãe Maria Lídia Breda. Meu pai faleceu nos anos 60 e tive uma irmã que faleceu, a Nair, mas tenho mais quatro irmãs, duas mais velhas que são a Neide e a Jandira e duas mais novas, as gêmeas Vilma e Cleide e meu irmão caçula Washington.
Pergunta: Seu pai fazia o quê?
Resposta:
Meu pai era operário em fábrica de móveis. Ele morreu num acidente na fábrica. Ele foi colocar madeira na máquina e a madeira voltou e prensou o corpo dele contra a parede. Ele ainda resistiu por sete dias, mas veio a falecer. Minha mãe, começou a trabalhar com meus avós ainda, porque eram carvoeiros. Quase todos eles faziam isso, porque tinha muita mata. Eles eram carvoeiros e minha mãe, ainda pequena, com 7 anos, ia para a mata ajudar meus avós. Meus dois avós faziam isso e tanto meu pai quanto minha mãe, muito jovens começaram a trabalhar. Meu pai trabalhava muito na terra, porque ele também plantava uva, meu avô, então meu pai ajudava e depois ele foi ser operário na fábrica, já com 12 anos, porque naquela época eles começaram cedo, meu pai foi ser operário e minha mãe tecelã. As indústrias de São Bernardo eram ou fábricas de móveis ou tecelagens, não tinha outro tipo de indústria. Depois que vieram, em 1958, as montadoras e com elas as metalúrgicas. Meus pais começaram a trabalhar muito cedo e minha mãe, quando se casou, foi ser dona de casa. Meu pai, até morrer, foi operário de fábrica.
Pergunta: Seu avô era carvoeiro. Como era essa profissão?
Resposta:
Sei por eles me contarem. Eles iam até a mata, São Bernardo era um grande mato mesmo. Eu já tenho mais de 50 anos, mas me lembro, quando era criança, que para chegar do Bairro Assunção até o centro de São Bernardo tinha poucas casas, mas muito mato. Só com as montadoras que o ABC realmente evoluiu e começaram a desmatar tudo. Voltando aos meus avós, eles iam até as matas, no mato, e cortavam a madeira. Eles ficavam vários dias, eu não sei qual era o processo de colocar a madeira de fazer o carvão. Sei que faziam montes, mas não sei explicar. Sei pelo que minha mãe contava, que ficavam vários dias, porque era um processo demorado. Depois pegavam o carvão, depois de pronto, ensacavam e iam, em carroças, os dois tinham cavalo, mas era só um cavalo, para poder transportar isso até São Paulo. Eles ficavam dois ou três dias entre ir e voltar. Iam com lampiões para poder ver a estrada à noite. Eles me contavam, quando era pequena, que tinha saci-pererê, essas coisas, porque não tinha iluminação. Lembro que quando era bem pequena que chegou a iluminação no Bairro Assunção, mas lembro que era uma iluminação de lumitre, não era nem vela, que era um pavio com óleo. A casa onde eu nasci, que todos nós, porque os seis filhos que mamãe teve foram com parteira em casa, inclusive com as gêmeas, meia hora de diferença, com parteira, todas em casa. Na casa onde eu nasci, só meu irmão que não, mas todos os outros irmãos sim, era uma casa de chão de terra batida, tanto que a gente tinha, quando varresse, tinha de molhar e varrer com vassoura de mato, e o teto era só o telhado, sem forro, sem nada. Tanto que às vezes, minha irmã estudando olhava no teto e tinha uma cobra enrolada. Era bem mato mesmo. Na casa tinha horta, o poço foi meu pai que cavou para pegar água.
Pergunta: Fogão a lenha?
Resposta:
Exatamente.
Pergunta: Isso na década de 50?
Resposta:
Sim. Eu nasci em 1952. Depois, na década de 60, em 1959 nós mudamos para o centro de São Bernardo, numa casa que tinha até água encanada, uma maravilha.
Pergunta: A primeira casa era muito fria?
Resposta:
A gente não lembra muito do frio. Eu fico imaginando que devia ser muito mais frio, pelo que minha mãe conta, do que hoje, porque eu lembro, até alguns anos atrás, que o frio era terrível, não era um julho como nós estamos vivendo agora. Mas a gente não tinha muita preocupação. Lembro que ia para a escola com uma blusinha de flanela por baixo do uniforme, de pano de saco que a minha mãe tingia com tinta para ter uniforme. Toda roupa ela que costurava, todas feitas de pano de saco. Ela tingia para a gente ter uniforme, porque se usava saia azul-marinho e blusa branca, com uma blusinha de flanela e tamanco no pé, sem meia. A gente usava tamanco de madeira, com uma lona em cima. A gente não reclamava. A gente era bem feliz. A gente não percebia que a gente era pobre, porque não tinha estímulos para dizer, como hoje existe o consumismo. Não tinha nada disso. Tudo era perfeitamente aceitável.
Pergunta: Você se lembra das brincadeiras?
Resposta:
Não era com brinquedos. A gente tinha o lenço atrás, que era uma brincadeira que se fazia uma roda e jogava o lenço e quem jogava o lenço corria atrás, brincava de barra manteiga, cabra-cega. Tinha muita coisa que a gente fazia com o barro, porque tinha o rio perto, fazia panelinha, porque não tinha brinquedos, não existia. Boneca, só me lembro que tive uma.
Pergunta: Era de pano?
Resposta:
Era com o rosto de porcelana e como ela era muito bonita, não podia brincar com ela. Eu não brinquei e ela ficou lá. Tudo que era uma coisa muito bonita era para guardar para não estragar. Eu lembro que era com vestido de noiva e eu adorava a boneca. A gente tinha brincadeiras de roda, de estátua, de ficar parada, passa anel, brincadeiras onde a gente usava o corpo e a participação de mais pessoas.
Pergunta: E depois vocês foram morar no centro de São Bernardo. Como era casa?
Resposta:
Simples ainda, mas diferente, porque já tinha assoalho, azulejos, banheiro dentro de casa, porque na outra o banheiro era longe, no mato mesmo. Meu pai era marceneiro e ele fez o banheiro em cima de um córrego que passava, então não precisava nem dar descarga, era prático. O lugar onde nasci tinha muitos rios. Até num dos rios meu pai pôs um monte de peixes vermelhos, ele mesmo que represou, porque não tinha cano, tubos de PVC, ele fez tudo em madeira embaixo da terra, gradinhas para represar os peixinhos, não para comer, mas para ver, porque ele gostava. Ele inclusive fazia armações de cadeiras na fábrica e minha mãe e minhas irmãs mais velhas tinham taboas, porque tinha um brejo onde eu morava e essas taboas meu pai cortava, deixava secando e minhas irmãs mais velhas e minha mãe entrelaçavam as cadeiras. Elas faziam o assento e o encosto da cadeira.
Pergunta: Você fez?
Resposta:
Eu não cheguei a fazer porque era muito criança. Aí nós mudamos para o centro e eu tinha 7 anos e estava entrando na escola. Fiz o primeiro ano numa escolinha que era na casa de um homem que tinha cedido para ter uma escola no bairro porque não tinha. Nós mudamos em setembro e até dezembro eu ia para lá e voltava todo dia para não perder o ano.
Pergunta: E você depois veio estudar no centro?
Resposta:
No Grupo Escolar Maria Iracema Munhoz, que era um dos poucos que tinha.
Pergunta: Como era a região do centro de São Bernardo no final dos anos 50?
Resposta:
Para fazer uma comparação, lembrava uma cidade de interior pequena de hoje. Não existiam edifícios. O único que tinha, com dez andares, é o edifício que fica na esquina da Dr. Fláquer com a Marechal, que tem até hoje. O resto eram casas, comércios simples, armazéns, padarias, coisas bem simples. Muitos bairros que hoje são bem habitados, naquela época era só mato.
Pergunta: A Marechal era calçada?
Resposta:
Era de paralelepípedo e eram duas mãos de direção e não tinha semáforo. Lembro quando instalaram o primeiro semáforo na Marechal, que foi na esquina da Américo Brasiliense com a Marechal Deodoro. Eu já devia ter uns 9, 10 anos e depois, mais tarde, asfaltaram. Não existia a Avenida Faria Lima. Isso já foi quando eu já tinha uns 17 anos, porque lá é um grande rio.
Pergunta: E já tinha inundação?
Resposta:
Inundava, tanto que fui morar bem próximo e a nossa casa ficava bem perto, mas nunca chegou a entrar água, mas chegava pertinho.
Pergunta: O rio ia até onde é o Paço hoje?
Resposta:
Sim. Lá ele se encontra com outros rios. Ele vai naquela direção e atravessa São Bernardo todinha.
Pergunta: E o Paço foi construído quando?
Resposta:
Aliás, onde hoje é o Paço, bem próximo, onde hoje é a sede da Guarda Municipal, lá era a sede do Instituto de Educação João Ramalho, que hoje é a Escola de Primeiro e Segundo Graus "João Ramalho". Era lá e fiz lá o ginásio. Fiz até a quinta série, ou quarta, você tirava um diploma no quarto ano e muita gente parava de estudar. Como eu quis continuar, eu fiz o quinto ano primário ainda no Iracema Munhoz, aí fazia o exame de admissão, como se falava na época, e o ginásio eu fiz no João Ramalho. Ia a pé, porque morava nas imediações da Faria Lima, na Rua Terezinha Setti, onde tem uma das Cooperativas da Rhodia. Eu morava lá e ia a pé todo dia até perto do Paço, onde é a Guarda Municipal hoje, para estudar lá. Estudei lá até o segundo ano e no terceiro, não; o João Ramalho mudou para bem perto da minha casa, que hoje fica na esquina da Rua 28 de Outubro e João Pessoa. Eu estudei lá o ginásio todo, até o quarto ano, quando tirava diploma. Na época você podia optar pelo normal, clássico ou científico e eu optei pelo clássico, porque era uma tendência das letras e das artes.
Pergunta: Formava-se professora primária? E o científico?
Resposta:
Científico era para pessoas que iam seguir carreira em exatas, engenharia, medicina. Eu fui fazer letras.
Pergunta: Você lia muito?
Resposta:
Sempre li. Eu comecei a ler, como mudei para o centro, a biblioteca era exatamente nesse único prédio que existia e que tinha mais andares. Era numa salinha bem pequena. Podia tirar três livros por vez, eu ia lá tirava os três livros e no dia seguinte tirava mais três. E fui aumentando. Quando estava com 8 anos, estava no segundo ano primário, eu tirei Ben-Ur.
Pergunta: Vocês freqüentavam igreja?
Resposta:
Sim. Eu freqüentava. Nós somos de formação católica apostólica romana, então eu fui batizada e crismada. Fiz a primeira comunhão no Bairro Assunção ainda, onde a gente morava, na Igreja Nossa Senhora Assunção e lá, depois nós passamos a freqüentar a Igreja Metodista de São Bernardo do Campo, porque também ficava mais próxima da minha casa, que é a Nossa Senhora da Boa Viagem, e continuo indo à igreja até hoje. Vou a Matriz de São Bernardo ou no Bairro Baeta Neves, na Igreja São Vicente.
Pergunta: Você se lembra da sua mãe e seu pai comentando sobre a viagem do seu avô da Itália para cá? Por que a família dele veio?
Resposta:
Da minha mãe não, porque era o pai do meu pai. O pai do meu pai veio com quatro anos, ainda criança, então não tenho nenhuma informação sobre isso, e mesmo por que a gente tem poucas informações, porque as crianças não perguntavam nada para os mais velhos. Era uma questão de educação você não ser curioso. Hoje até lamento não saber de certas coisas porque mesmo quando perguntava para a minha mãe, quando ela ainda tinha condições de responder, ou pergunto para meus tios e tias, eles têm dificuldade de saber porque eles também não perguntavam. É difícil saber.
Pergunta: Quando vocês moravam no centro, qual o tipo de lazer que vocês tinham, as moças no centro de São Bernardo?
Resposta:
Eu já trabalhava. Comecei a trabalhar com 12 anos, mais ou menos, limpando casas de famílias, fazendo faxina perto da casa da minha mãe, para ajudar. Quando meu pai faleceu, nós não tínhamos nem o que comer. Tivemos um pouco de ajuda dos meus tios, mas era difícil. Meu irmão mesmo tinha quatro meses quando meu pai faleceu e minha irmã mais velha tinha 17 anos. E ela tinha começado a trabalhar fazia duas semanas, como tecelã também e minhas duas irmãs mais velhas não estudaram, tiveram de parar no quarto ano. A gente não tinha essas coisas de indenização, nada disso. Foi um período muito difícil. Eu trabalhava e não reclamava, achava aquilo normal, todo mundo trabalhar para ajudar. Então, comecei a trabalhar assim e com 14 anos comecei a trabalhar numa distribuidora de jornais e revistas, que distribuía para São Bernardo. Comecei, fui registrada logo e já me aposentei. Teve suas vantagens. Comecei a trabalhar nesse lugar porque tinha um vizinho em frente que viu que a gente precisava trabalhar e ele logo me registrou, porque ele era funcionário do INSS, e fez me registrarem logo para eu me aposentar mais cedo. E coincidentemente, mais tarde, ele veio a ser meu marido, muitos anos depois, porque na época ele era casado, com filhos. Depois ele se divorciou, ficou mais de 10 anos divorciado e depois a gente casou. Ele se chama Antonino Assumpção.
Pergunta: E o lazer nessa região? Bailes, cinemas?
Resposta:
Não tinha muito. A gente também não tinha dinheiro. Antes mesmo de começar a trabalhar, a gente não ia mesmo a lugar nenhum. Tinha um tio que comprou uma Kombi por nossa causa, a gente soube mais tarde, para ele levar, além da família dele, a gente para o zoológico, algum passeio, até para a praia. Ele levava a família em passeios assim, mas coisas que não dependia de muito dinheiro, que não saía muito caro. Quando comecei a trabalhar, apesar de que a gente recebia e dava o dinheiro na mão da minha mãe, lembro que tinha as domingueiras na Associação, que eram para adolescentes, e a gente ia aos bailinhos de domingo à tarde. Mas cinema era muito difícil. A Prefeitura às vezes tinha alguns filmes, depois que teve o Cacilda Becker, que era gratuito, então eu ia nessas sessões, porque não tinha dinheiro mesmo.
Pergunta: Lembra dos cinemas da Marechal Deodoro?
Resposta:
Sim. Tinha o Cine São Bernardo e o Cine Anchieta. Até esporadicamente eu ia. Lembro que tinha uma vizinha que o padrasto dela tinha uma credencial e ela me levava, porque não pagava. Eu ia assistir aos filmes do Mazzaropi, A Paixão de Cristo. Depois que comecei a trabalhar até passei a ver algumas no cinema, mas não era sempre, mas ia sim. Eram essas as diversões, bailinhos e cinema de vez em quando.
Pergunta: Você lembra de ouvir rádio?
Resposta:
Ouvia. Tinha o Programa Sílvio Santos diariamente, um programa Histórias que o Povo Conta, que a gente ficava impressionada, ouvia música. Eu sou da época do nascimento do Roberto Carlos, depois na TV vendo o Roberto Carlos com a Jovem Guarda.
Pergunta: Vocês tiveram televisão em casa?
Resposta:
Tivemos. Quando a gente morava no Bairro Assunção ainda meu pai comprou uma televisão, porque meu pai era assim, sempre queria se antenar nas coisas que aconteciam no mundo. Então, surgiu a televisão e ele foi lá e comprou e pagava em prestações a perder de vista. Foi a primeira televisão do Bairro Assunção. Ele comprou essa televisão, e como ele era marceneiro, ele fez um monte de bancos para colocar na sala da casa da minha mãe e enchia, o bairro todo ia assistir à televisão. Só que a programação da TV era de três a quatro horas por dia, na TV Tupi, depois a TV Record e depois a TV Paulista, que se transformou na Globo. Em dia de jogo todo mundo ficava sentado vendo. Os comentaristas de jogos não eram bons, então eles abaixavam o som da TV para ouvir o comentarista do rádio. Tinha também o Arrelia, um palhaço que morreu há dois meses. Depois que meu pai morreu e nós mudamos para cá, a televisão quebrou e ficou por muitos anos sem arrumar porque nós não tínhamos dinheiro.
Pergunta: Você se lembra de outros programas?
Resposta:
Tinha o Arrelia, O Grande Teatro Gessy-Lever, Gincana Kibon, Almoço com as Estrelas, Sítio do Pica-Pau Amarelo, a primeira versão com a Lúcia Albertin fazendo a Emília. Isso nos anos 50, 60. Tinha também O Grande Teatro Tupi.
Pergunta: Você já gostava de teatro?
Resposta:
Já. Nunca tinha ido, mas gostava. É engraçado.
Pergunta: O seu interesse pelo teatro surgiu com a televisão ou já existia?
Resposta:
Já. Não sabia nem o que era, mas já gostava.
Pergunta: Como surgiu o teatro?
Resposta:
Como eu falei para você, eu fui trabalhar numa banca de jornal e revistas do Assumpção, e lá ele já tinha o grupo; em 1962 ele formou o Grupo Cênico Regina Paces, que existe até hoje, do qual eu sou a Presidente. Então, surgiu o grupo em 21 de abril de 1962 e o que aconteceu? Ele tinha o grupo e a banca de jornal e revistas, a distribuidora. Eu ficava no balcão e atendia os jornaleiros e era até um certo tipo de encontro, porque as pessoas iam comprar jornal lá. Um dia ele estava conversando com o Secretário de Educação e Cultura lá no balcão, bem do meu lado, e eu ouvindo a conversa. Ele falou: Tem uma pessoa dando aula na Faculdade de Direito, e ele é de teatro. É uma aula que está vindo através da Secretaria. Ele ficava e tentava dar a dica para o Assumpção, mas ele não acertava e eu era muito tímida, aquela tímida que se você olhasse para mim eu ficava roxa de vergonha, e eu ouvi e querendo falar, até que uma hora eu não resisti e falei que era o Antonio Abujamra. Eles continuaram a conversa. Depois que o Secretário foi embora ele me perguntou como eu sabia? Eu falei que era porque estava fazendo o curso, porque era gratuito. Eu estudava no João Ramalho e lá falaram que tinha um curso que se chamava Cultura Geral e quem quisesse fazer era só ir, porque era de graça. Já que era de graça eu fui para a Faculdade de Direito. Era uma vez por semana, antes da nossa aula, porque eu já estava estudando de noite, porque trabalhava o dia todo, mas eu saía duas horas da tarde, porque entrava às seis da manhã, então eu ia toda semana. E o Abujamra chegou a levar a Rosamaria Murtinho, Fúlvio Stefanini, Francisco Cuoco. Ele levava para fazer trechos de teatro e eu ficava encantada com aquilo. Ele pegou e falou que a Prefeitura ia dar um ônibus para ir ao teatro assistir à peça Os Últimos, com Paulo Goulart e Nicete Bruno, no antigo Teatro Cacilda Becker, que era na Brigadeiro Luiz Antônio, onde era a Federação Paulista de Futebol. Por isso que eu sabia quem era. Ele falou: Você gosta tanto de teatro e nunca me falou? Ele falou que ia me levar para o grupo dele. Ele me levou.
Pergunta: Ele já tinha o grupo?
Resposta:
Já, desde 1962.
Pergunta: E você sabia disso?
Resposta:
Sabia, mas imagina que eu ia falar. Eu morria de vergonha. Ele me levou para fazer teatro a partir daí.
Pergunta: Você entrou no grupo quando?
Resposta:
Em 1967.
Pergunta: Nessa época você fazia faculdade?
Resposta:
Não. Estava fazendo ginásio.
Pergunta: Quantos anos você tinha?
Resposta:
Tinha 15 anos. O primeiro espetáculo que fiz foi Ponto de Partida, com a direção do Assumpção e do Sérgio Rossetti, que trabalha como diretor até hoje.
Pergunta: E como era o grupo quando você entrou?
Resposta:
Inicialmente, quando o grupo começou em 1962, eram pessoas ligadas à Igreja Matriz de São Bernardo. Naquele tempo existiam certas comunidades religiosas dentro da igreja que se chamavam..., tinham várias, entre elas as Filhas de Maria, que eram as mulheres, e os Marianos, que eram os homens. As Filhas de Maria só podiam ser moças, não casadas e os homens podiam ser tanto casados como solteiro. O Assumpção era Mariano e ele agrupou essas moças e rapazes para ter alguma atividade. Então ele partiu para fazer teatro com eles. O grupo até tinha uma boa estrutura. Montavam peças com cenários, figurinos. Já tinham até montado, quando eu entrei, peças de Jorge Andrade, como Pedreira das Almas, que são textos do Jorge Andrade, um grande dramaturgo brasileiro. Eu entrei em 1967. O grupo tinha uma estrutura e cada um sabia o que fazer e entrei menina, bem baixinha. Morria de vergonha, mas como eu gostava, eu insisti. Eles insistiram comigo também, mas a minha estréia não foi lá essas coisas porque eu tinha muita vergonha, mas minha vontade de fazer teatro era mais forte e não desisti.
Pergunta: E quando você entrou no grupo você ainda trabalhava e como ensaiava?
Resposta:
Continuava trabalhando na distribuidora de jornais e revistas, estudava de noite e os ensaios eram aos sábados e domingos. Durante as férias era toda noite ensaiando.
Pergunta: E as produções dos espetáculos, as apresentações aconteciam quando? Todo ano tinha, a cada seis meses?
Resposta:
Cada montagem? Praticamente a cada ano tinha uma ou duas montagens. Geralmente a gente fazia uma montagem para ficar um ano, um ano e pouco e na época da Semana Santa fazia A Paixão de Cristo, e, na época do Natal, peças natalinas, que sempre terminavam com um presépio ao vivo. E os outros espetáculos, um para levar o ano todo, dependendo, se fosse sucesso ia por dois ou três anos.
Pergunta: Em que teatro vocês se apresentavam?
Resposta:
O grupo começou se apresentando no Colégio São José, que tem um auditório até hoje. Peguei uma apresentação lá, mas iniciei no salão paroquial da Igreja Matriz de São Bernardo, que existe até hoje. Depois, mais tarde, foi no Teatro Cacilda Becker. A gente ensaiava lá, porque não tinha nenhum grupo na cidade, nenhuma produção na cidade, então o teatro era nosso. A gente ensaiava e se apresentava lá.
Pergunta: A Prefeitura apoiava?
Resposta:
Sim. No início a Prefeitura ajudava a construir os cenários. A gente fazia cenários, principalmente os que exigiam uma sala, um quarto, eles faziam toda a estrutura, inclusive com piso, janela, porta, emprestavam os carpinteiros. Davam um bom apoio. E quando a gente ia se apresentar fora da cidade, eles davam caminhão para transportar.
Pergunta: Dinheiro não?
Resposta:
Não. Teve uma época que teve uma verba, que não era da Prefeitura. A Câmara tinha uma verba que ela podia dar para as entidades culturais ou beneficentes. O Vereador dava tanto quanto queria para cada uma, mas isso não existe mais. Alguns anos foram assim, mas a gente tinha de fazer prestação de contas das atividades. A gente gastava em figurinos e cenários, porque nós, atores, nunca recebemos nada. O nosso grupo é de utilidade pública, ninguém recebe nada. Todo dinheiro que entra, até hoje, é canalizado todinho para a produção, figurino, cenário, maquiagem, até o lanche para quem vai de manhã e fica até à tarde, o transporte a gente tem de pagar. Ninguém ganha dinheiro nenhum.
Pergunta: Os atores faziam cursos fora, oficinas?
Resposta:
Sim. A gente fazia algumas oficinas, workshops ou às vezes o Assumpção ia atrás e trazia muita gente para o grupo para dar cursos ou até dirigir, como é o caso do Eugênio Kusnet, Miriam Muniz, Sílvio Zilber e outros nomes.
Pergunta: Você se lembra do Kusnet?
Resposta:
Lembro. Aprendemos muito com ele. Como pessoa ele era um amor. Eu até ia buscar, porque na época eu tirei carta e eu ia buscar o Kusnet. Ele morava atrás do Teatro Maria Della Costa, na Rua Paim. Eu ia dirigindo uma Kombi e levava ele de volta.
Pergunta: Vocês se apresentaram em outros teatros?
Resposta:
Sim. Nossos espetáculos tiveram temporadas não só em São Bernardo, mas no ABC, várias cidades do estado. A gente saía na sexta à noite e voltava no domingo. Chegamos até a fazer no Paraná, Minas Gerais e chegamos até, numa loucura do Assumpção, a fazer uma temporada em Recife. Ele falou para todo mundo tirar férias em janeiro, tinha umas quinze pessoas no espetáculo, que era Castro Alves Pede Passagem, do Guarnieri e ele falou para todo mundo tirar férias porque a gente ia para Recife. Nós ficamos duas semanas num teatro e depois fomos passear. A Prefeitura ia dar o ônibus porque ele ia atrás e batalhava. E todo mundo tirou férias e todo mundo foi, de ônibus, para apresentar a peça. A gente viajou bastante para apresentar. A gente passeava e geralmente as cidades que a gente ia, eles não pagavam, mas davam estada, alimentação, condução. Era muito bom.
Pergunta: Vocês ficavam com que dinheiro? Com o que vocês levavam?
Resposta:
A gente não gastava nada. Mesmo se desse uma parada, o Assumpção pagava tudo para todo mundo, porque era o dinheiro do grupo, para essa finalidade. A gente não tinha dinheiro. O dinheiro sempre foi para o grupo, não para nós.
Pergunta: E sobre os festivais de teatro?
Resposta:
Os festivais de teatro eram feitos pela Confederação de Teatro Amador de São Paulo. Tinha a fase eliminatória, a semifinal e a final. A eliminatória, aqui na região tinha a Feanta, que congregava os grupos do ABC, Federação Andreense de Teatro Amador, mas que congregava os grupos, do qual o Regina Paces era filiado. Como só tinha o Regina Paces, não tinha razão de ter uma federação em São Bernardo. Tinha uma fase eliminatória com os grupos do ABC, depois tinha a fase semifinal. Saía dois grupos do ABC e um de São Paulo, um de Santos, para fazer uma fase regional. Dessa, tiravam um ou dois, dependia do ano, aí ia para uma fase final que podia acontecer em qualquer cidade do estado de São Paulo.
Pergunta: Vocês ganharam?
Resposta:
A gente sempre passava pela fase eliminatória, depois pela fase regional quase sempre passávamos e depois fomos para final aonde chegamos a ganhar o primeiro e segundo lugares algumas vezes.
Pergunta: E os grupos que competiam com vocês, principalmente os grupos da região, você se lembra?
Resposta:
São Bernardo na época não tinha, mais tarde teve alguns grupos que não chegaram a concorrer com a gente porque já não tinha mais o festival com aquela característica. Mas tinha em Santo André o Panelinha, que sempre concorria com a gente, o Teco, que eram os mais constantes. Em São Paulo tinha o Jambai, os de Santos, que eram os mais constantes.
Pergunta: Os festivais ocorreram em que anos?
Resposta:
Não lembro, na década de 70 a 80, que foi uma época bem ativa. Alguns festivais do SESC, que eram importantes mas tinham outra característica, ou seja, alguém do SESC ia ver todos os espetáculos do estado e aquela comissão depois levava para o Teatro Anchieta, em São Paulo, os 10 melhores grupos do estado. Eram só os melhores que participavam, e, nós, praticamente, participamos de todos e ganhamos numa ocasião com Zumbi, o primeiro lugar pelo júri oficial, e quem era do júri, que a gente não conhecia ainda, era Eugênio Kusnet, Sirlei Siqueira, Carlos Miranda, e nós chegamos a ganhar também pelo júri popular, que era uma coisa muito difícil, da crítica combinar com o público. Nós chegamos a ganhar pelos dois.
Pergunta: A senhora ouviu falar do GTC, em Santo André e da Fundação das Artes?
Resposta:
Sim. O GTC foi um grupo criado aqui em Santo André, que é um grupo já com uma característica profissional. Então, eles traziam já a característica profissional. Os atores ganhavam, traziam atores que já tinham nome em São Paulo, como Paulo Autran, que veio fazer peça, o Fagundes, todo esse pessoal. Já era uma outra característica a do GTC. E a Fundação das Artes começou a formar muita gente que está hoje fazendo teatro. Foi um celeiro de novos atores da região.
Pergunta: Você falou sobre Zumbi, que é um texto do Boal. Vocês nunca tiveram problemas com a repressão desse período?
Resposta:
Com a censura, não tivemos grandes problemas, mas tivemos alguns. Todos os espetáculos tinham de passar pela censura federal. Como se caracterizava essa censura? A gente tinha de ter um certificado. Primeiro de tudo a gente tinha de mandar três ou quatro textos direto para a censura em Brasília, mandar via correio e esperar um tempo. Quando voltava o texto, às vezes voltava na íntegra e a gente podia montar, às vezes tinha cortes de cenas, de folhas e aquilo tinha de ser suprimido. Depois disso a gente tinha de apresentar o espetáculo para uma banca de examinadores. Eles iam a platéia e assistiam ao espetáculo. Eram dois ou três que assistiam e falavam, de repente podiam cismar com uma cena que não poderia ser feita. Era dessa forma. Algumas palavras, mesmo as que passaram na fase anterior, eles ouvindo, podiam achar que teve outra conotação, então eles cortavam. A gente tinha de fazer assim. Esse texto que a gente apresentava para eles, era quando já estava pronto o espetáculo, porque você tinha de mostrar com figurino, cenário e tudo, porque se o figurino não era aquele, eles podiam achar que ia ter uma conotação na roupa que teria alguma alusão a alguma coisa que eles não aprovariam. Então, nós tínhamos de apresentar. Tínhamos de ir a São Paulo buscar os censores na Xavier de Toledo, onde era a sede da Polícia Federal, tipo duas horas da tarde, nove horas da manhã, no horário que eles trabalhavam. Se nós trabalhássemos era problema nosso. A gente pedia para fazer à noite, mas não tinha. A gente tinha de se virar, dar um jeito no trabalho para estar lá. Era bem complicado, mas eles não queriam nem saber. Então, depois de todos esses percalços a gente recebia um certificado, tenho eles guardados até hoje, com a barrinha verde-amarela, de que tinha sido autorizado para 18 anos, 14 anos, livre. Geralmente eles davam para 5 anos essa censura. O que nós tivemos, pessoalmente, relativo à censura? Nós mudamos o espetáculo Liberdade, Liberdade, do Flávio Rangel, e teve um problema. Estávamos apresentando maravilhosamente, fazendo uma temporada no salão paroquial e como todo sábado de manhã o Sérgio ia lá conversar com o Assumpção na banca de jornal e revistas, eu continuava trabalhando lá, os dois batendo papo e lendo jornal, saiu no Estado de São Paulo uma nota: Liberdade, Liberdade, proibida em todo o território nacional. Os dois começaram a discutir porque os dois tinham dirigido o espetáculo, se eles iam apresentar ou não, porque para nós não tinha aparecido nada. E ficou aquela coisa de não apresentar para não ficar complicado. À noite nós fomos ao salão paroquial para avisar ao público que não poderíamos apresentar a peça, levamos o recorte do jornal para mostrar que tinha sido proibida, apesar de oficialmente nós não termos recebido aviso. Por sorte eles leram o jornal. Foi até bom, porque aquelas Veraneios sem placas se postaram em frente ao teatro naquela noite e na noite seguinte. Nós avisamos o público. E o espetáculo ficou proibido realmente e em 1979, quando veio a anistia, o Assumpção foi ver como estava o texto, falou através da SBAT, que é a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, que cuida dos direitos autorais, e eles falaram que podiam montar. Nós remontamos e foi um sucesso de público. Lembro que estava no Cacilda Becker, no dia da estréia, e olhei pela janela e quando vi a fila, ela fazia curva. Tivemos de fazer duas sessões. Era uma multidão para assistir, porque era uma coisa que estava meio engasgada.
Pergunta: Quanto tempo demorava esse processo? Mandar o texto para Brasília, até virem os censores e liberar. Demorava muito?
Resposta:
Dependia também de nós, porque só podia ser feita a liberação da apresentação quando a gente estava com o espetáculo montado. Então, logo no início a gente mandava o texto e demorava um mês, mas a gente ia ensaiando. Depois, dois espetáculos nós tínhamos até o cenário pronto e foi proibido o texto, que foi A Visita da Velha Senhora, que foi proibido, com o cenário tudo pronto, e perdemos tudo. Então, como não deu para montar esse, nós montamos Quatro num Quarto, que era uma comédia, mas eles proibiram porque tinha uma ativista política entre os personagens. Ela só falava, mas eles proibiram por isso. O processo do texto era esse, e a apresentação nós é que marcávamos para eles virem, quando o espetáculo estivesse montado. Nós tivemos também um problema, talvez o mais grave, mas não tanto, mas nós montamos um espetáculo chamado Grevicto, e na fase regional, nós íamos apresentar em Santos, na Rádio Clube de Santos, na época que não tinha teatro municipal lá, e tinha um guarda, porque era sobre um rapaz que foi preso e tinha um guarda de uniforme. Enquanto nós estávamos apresentando, chegaram, porque Santos sofreu intervenção, tanto que lá não tinha eleição para Prefeito, era indicado o Prefeito e era muito forte a repressão. E eles invocaram com a roupa que o guarda usava. Nós adaptamos o uniforme que a guarda civil usava. Eles começaram a discutir como Assumpção, isso no saguão, enquanto a gente apresentava o espetáculo, que não podia, mas nós fomos acabando o espetáculo, agradecemos e saímos nos bastidores e o Assumpção estava lá, com o ônibus parado nos fundos, e ele mandou todo mundo entrar no ônibus para a gente sair e não termos problemas, porque eles falaram para a gente sumir de Santos, tudo por causa de uma roupa. Foi essa a coisa mais grave.
Pergunta: Teve mais algum problema com a censura?
Resposta:
Não. Só esses dois textos.
Pergunta: E como vocês escolhiam os textos?
Resposta:
Quem sempre escolheu foi o Assumpção ou o Sérgio, que eram os diretores. Mais tarde eu dirigi, outras pessoas também dirigiram, mas no início, nos primeiros 20 anos, pegavam o texto, achavam que era bom e escolhiam. E os atores respeitavam. Ninguém discutia muito porque todo mundo queria fazer teatro. Não tinha discussão sobre o texto. Era escolhido em função das pessoas disponíveis. Se não tinha, ele ia buscar. Eram textos bons. O que ele gostava, ele escolhia e a gente aceitava e não discutia muito. A gente queria fazer.
Pergunta: Você se casou quando?
Resposta:
Eu me casei em 1987.
Pergunta: Tem filhos?
Resposta:
Não. Foi uma opção minha, porque ele já tinha três filhos do primeiro casamento. Eu não tenho muita paciência para ser mãe, apesar de gostar muito de criança.
Pergunta: E você tem outra atividade, além de atriz, dona de casa?
Resposta:
Se eu falar que sou dona de casa, não sou e nunca fui. Como eu e o Assumpção sempre partilhamos essa paixão pelo teatro, quando nós nos casamos, eu já trabalhava no Departamento de Cultura, onde entrei por concurso público, não foi politicamente, e mais tarde ele acabou sendo Diretor de Cultura. Na época ele era diretor e a gente se casou nessa época. Até os colegas de departamento falavam que eu era a primeira-dama da cultura. Foi até bom porque quanto tinha promoções eu nunca peguei porque ele nunca quis, até as pessoas falavam que eu merecia, mas ele nunca quis para não ter problemas com nepotismo. A gente partilhava muitas coisas, tanto do Departamento de Cultura como da nossa paixão pelo teatro. Dentro de casa eu ficava pouco porque ele era sempre muito ativo, sempre queria ir a algum lugar. Foi bom, porque ele cuidou de mim. Como eu fui a primeira que estudou na família, você acaba tomando rédeas das coisas pelo conhecimento. Eu sempre fui me metendo na vida porque não tinha quem me orientasse. Minha mãe estudou pouco, porque ela só sabia ler e escrever, mas não teve instrução. Eu acabei tomando a frente dos meus irmãos em muita coisa e quando me casei ele cuidou de mim. Não precisei tomar muitas providências.
Pergunta: Você entrou quando na faculdade?
Resposta:
Foi na seqüência. Não lembro a data. Hoje é Universidade Metodista de São Paulo, mas na época era Faculdade Metodista. Eu fiz comunicação social com habilitação em relações públicas e depois fiz complemento em jornalismo, porque na época os dois primeiros anos eram básicos e depois você fazia a opção.
Pergunta: E quando se formou?
Resposta:
Acho que me formei em 1976. Será?
Resposta:
Foi na segunda turma?
Resposta:
Sim.
Pergunta: Deve ter sido em 1974, 75. Você se lembra dos professores?
Resposta:
Tive um que até hoje falam que é uma sumidade na área de comunicação, que é José Martinello, me lembro do Ismar, e outros que não me ocorrem agora.
Pergunta: Você se lembra da faculdade, como era?
Resposta:
Era uma sala enorme. Era a sala onde era a antiga Faculdade de Teologia, tinha mais de 100 alunos e na época fumavam na sala de aula. Lembro que eu nunca fumei, e quando chegava em casa era um cheiro horrível. Todo mundo fumava na sala de aula, era normal. A sala ficava em névoa. Não tinha os outros prédios. Todos os outros prédios que existem hoje na Universidade Metodista, eu vi muitos serem construídos. Quando estava no terceiro ano, foi construído o estúdio de rádio e de TV. Lembro disso.
Pergunta: Você chegou a fazer teatro na Metodista?
Resposta:
Não. Só fui levar espetáculo lá, inclusive em sala de aula. O Assumpção decidiu voltar a estudar. Ele já era formado em magistério, era professor, e resolveu voltar a estudar. Quando eu e a Ana Maria Médici falamos em fazer vestibular, ele também quis. A Ana também trabalhava com a gente na distribuidora de jornal e revista. Então, quando eu prestei concurso na Prefeitura a Ana também prestou e nós entramos no mesmo dia. Quando começou a mudar a lei da aposentadoria, eu já estava fazendo quase trinta anos, eu decidi me aposentar porque a lei ia mudar e nós nos aposentamos no mesmo dia. Nós trabalhamos na Prefeitura de 1982 a 1997. Entramos e nos aposentamos no mesmo dia e trabalhamos sempre uma ao lado da outra. Voltando à Metodista, o Assumpção resolveu fazer o vestibular e nós três, que já éramos do teatro, fomos fazer faculdade. Então, nós tínhamos o espetáculo e falávamos com os professores, como o professor de filosofia, que era o Jacier Maras, que era muito bom, e ele deixava levar o espetáculo. Muitas vezes nós fizemos, mas na faculdade não tinha. Nós levamos muitos espetáculos à faculdade. O nosso grupo ia até lá.
Pergunta: A gente sempre pede ao depoente que deixe um recado para as pessoas que possam vir a assistir ao seu depoimento, alguma coisa que faça parte da sua vida e você ache interessante deixar marcado.
Resposta:
Acho que o teatro me abriu muitas portas. Como disse no começo, eu era muito tímida. Hoje talvez até tenha muita timidez, mas ele me ajudou, quebrou uma barreira na minha vida e me ajudou, culturalmente falando. Eu aprendi muito. Eu já tinha o hábito de ler, mas com o teatro você tem de ler muito mais, pesquisar muito mais e você acaba aprendendo a observar as pessoas, observar a vida. Acho que o teatro abre uma porta muito grande, além do que, você convive com pessoas, que fora às pessoas do meu grupo de teatro, também fiz muitos trabalhos fora do teatro. Você também conhece muitas pessoas diferentes, mas que também rezam na mesma cartilha. Isso é muito bom, você poder falar de um assunto que faz parte da sua vida. Acho que o teatro abre as portas, principalmente na área cultural e intelectual. Ele te dá muito e você ganha muito com o teatro.